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Foto do escritorCaitlin Fitz

OS EUA E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL: UMA HISTÓRIA ESCONDIDA

Autoridades Estado-unidenses foram as primeiras no mundo a dar as boas-vindas à monarquia Brasileira no cenário mundial, mas ativistas sociais tinham uma visão diferente.

Caitlin Fitz


Thomas Jefferson a Anne L. G. N. Stael-Holstein, 6 setembro, 1816, com mapa das Américas. Thomas Jefferson Papers, Library of Congress, Manuscript Division.

Dom Pedro I “se regozijou além da conta” ao ouvir que os Estados Unidos da América (EUA) se tornariam a primeira nação do mundo a reconhecer a independência brasileira em 1824. O imperador esperava ansiosamente “a boa vontade de nossos vizinhos dos Estados Unidos”, escreveu um conhecido, e agora ele “mal podia se conter em si mesmo”.

O reconhecimento dos EUA foi uma surpresa bem-vinda. Um ano antes, o cônsul dos EUA no Rio havia relatado que a nova monarquia do Brasil manifestava uma “frieza” em relação aos Estados Unidos, um país orgulhosamente republicano. Em contrapartida, o povo estado-unidense sentia uma “antipatia horrorosa” contra as monarquias, preferindo de longe as novas repúblicas da América Espanhola, segundo informou o ministro do Brasil em Washington. Ainda assim, o presidente dos Estados Unidos, James Monroe (1758-1831), deu as boas-vindas ao Brasil no cenário mundial, em 1824, na esperança de ganhar acordos comerciais favoráveis ao se antecipar a Europa. Estadistas brasileiros e norte-americanos, assim, deixaram de lado suas diferenças políticas e forjaram um terreno comum como nações soberanas americanas. A “forma de governo” do Brasil, explicou Monroe, “não era nossa preocupação”.


Mas ao mesmo tempo em que Dom Pedro I celebrava, uma rede subterrânea de ativistas do Brasil a Boston abraçava uma visão diferente, que desafiava a relação diplomática formal de suas nações e, em vez disso, defendia o republicanismo hemisférico e, ocasionalmente, a abolição. A curto prazo, esses dissidentes transnacionais falharam. Mas a sua colaboração moldou ambas as nações à medida que o século XIX se desenrolava.


Em um hemisfério abalado por revoluções desde os Estados Unidos e o Haiti, até a Colômbia e o Chile, a Rebelião de Pernambuco ocupou um papel central de dissidência republicana na América Portuguesa. Em 1817, condenando os impostos e a estagnação econômica, os moradores pernambucanos se rebelaram contra a monarquia portuguesa com sua capital no Rio. Em 1824, eles se rebelaram novamente, denominando-se a Confederação do Equador e protestando contra a crescente autoridade centralista da monarquia independente brasileira de Pedro I.


Um dos líderes rebeldes de Pernambuco foi Manoel de Carvalho Paes de Andrade (1774-1855). Veterano da revolta de Pernambuco de 1817, Carvalho fugiu para os Estados Unidos no rescaldo da revolta. Admirou tanto o que viu nas terras do norte que batizou suas filhas de Carolina, Filadélfia e Pensilvânia. De volta ao Brasil em 1824, ele conclamou os pernambucanos a encontrarem inspiração semelhante. Mesmo “entre as Nações mais escravas tem brilhado homens livres”, ele disse aos seus conterrâneos em 1824; “Vós visteis Bolívar em Caracas, Morellos no México, Washington em Boston. Entre nós mesmos, ainda que mui raros, aparecem portugueses dignos de ter nascido em New York ou Filadelfia”.


Carvalho também pediu ajuda a comerciantes americanos em Recife, incluindo um comerciante branco da Filadélfia chamado Joseph Ray (?-1849). Conhecido por espalhar “Ideias Livres” no Recife, o novo ministro do Brasil para os Estados Unidos declarou Ray “um acérrimo motor de revoluções”. Após a revolta, Ray ajudou dezenas de revolucionários pernambucanos derrotados a escapar para os EUA. Indignado, Dom Pedro baniu Ray do Império em 1825. Mas Ray era só o começo. Como escreveu um oficial português, havia “infinitos Rays”.


Igualmente notório foi James Rodgers, um nova-iorquino branco de 25 anos (1800-1825) que comandou um navio pernambucano, cujo nome original era “Independência ou Morte”. Com certeza por isso, quando a Confederação entrou em colapso, uma comissão militar condenou Rodgers à morte. Na manhã de sua execução, Rodgers andava com “sua cabeça erguida extremamente alta”. Ele fez um discurso desafiador de dez minutos pedindo aos pernambucanos para continuar a luta, e implorou ao pelotão de fuzilamento “pelo bem de Deus para matá-lo rápido”. Ele morreu no segundo disparo ou talvez no terceiro.


A influência de ativistas existiu nos dois sentidos. Se os norte-americanos inspiraram periodicamente os pernambucanos, os pernambucanos inspiraram os estado-unidenses em retorno. Entre eles estava ninguém menos que Emiliano Felipe Benício Mundrucu (1791-1863), major do Batalhão dos Pardos em Recife, em 1824. Enquanto a Confederação do Equador tinha sido coletivamente ambivalente na questão da escravidão, Mundrucu foi firme. Ao contrário do branco Carvalho, que celebrava o exemplo dos EUA, Mundrucu exortou seus conterrâneos a imitar o Haiti. Quando a Confederação caiu, Mundrucu conseguiu ajuda de Joseph Ray, vestindo um traje durante o Carnaval e desfilando disfarçado em direção ao porto.


Ao chegar em Boston, Mundrucu usou seu conhecimento da escravidão brasileira e do ativismo entre pardos para ajudar a radicalizar o abolicionismo e o movimento inter-racial pelos direitos iguais nos EUA. Em 1825, Mundrucu conseguiu dar fim à segregação racial em uma loja Maçônica até então totalmente branca. Em 1833, depois de viajar brevemente para as repúblicas antiescravistas do Haiti e da Grã-Colômbia, ele retornou a Boston e entrou com o primeiro processo conhecido contra a segregação racial no transporte público na história dos EUA. Em discursos, livros e panfletos em todo o Norte dos EUA, abolicionistas negros e brancos citaram a sua experiência cosmopolita como exemplo.


É claro que nem todos os republicanos transnacionais eram anti-escravidão (assim como nem todos os ativistas antiescravidão eram republicanos). Dissidentes brancos como Carvalho, Ray e Rodgers eram entusiastas do republicanismo, mas permaneceram ambivalentes sobre a escravidão. Dos Estados Unidos ao Brasil e além, foram pardos e dissidentes negros como Mundrucu que pressionaram as redes republicanas internacionais a abraçar a abolição e a igualdade racial.


Carvalho, Rodgers, Mundrucu e os “infinitos Rays” que lutaram para estabelecer os EUA e o Brasil como repúblicas parceiras morreram antes que seu desejo se tornasse realidade. Em vez de partilharem uma forma de governo, o que os EUA e o Brasil do século XIX acabaram por partilhar foi um sistema econômico baseado na escravidão. O comércio ilegal de escravos africanos para o Brasil se beneficiou diretamente da cumplicidade dos EUA e, em meados do século XIX, os EUA, o Brasil e a Cuba espanhola formaram um contrapeso diplomático pró-escravidão em relação a Grã-Bretanha, Haiti e as novas repúblicas da América espanhola.


De qualquer modo, ainda que os Estados Unidos republicanos e o Império monárquico do Brasil tenham encontrado terreno comum em uma política externa de escravidão, dissidentes cosmopolitas continuaram a resistir. Entre 1838 e 1847, mulheres e homens negros nos Estados Unidos arriscavam suas vidas para libertar os escravizados brasileiros trazidos em navios que atracavam em Nova York. Mundrucu, por exemplo, continuou a lutar pela abolição transnacional. Ele morreu em Boston durante a Guerra Civil dos EUA, poucos meses depois de ter ajudado a organizar uma grande celebração pública da Proclamação de Emancipação de 1863, assinada pelo presidente dos EUA, Abraham Lincoln. Escravos e abolicionistas brasileiros, por sua vez, se fortaleceram com a abolição dos EUA, ajudando a abrir caminho para a Lei Áurea e a queda da monarquia em 1888 e 1889 – eventos que por si só refletiam não apenas uma política de cima para baixo, mas uma longa – e contínua – tradição de agitação popular transnacional.

Tradução/Versão para o português: Fabrício Prado (William & Mary).
Caitlin Fitz é professora na Northwestern University (EUA) e autora do livro Our Sister
Republics: The United States in an Age of American Revolutions (Norton/Liveright, 2016). E-
mail: c-fitz@northwestern.edu

Saiba Mais: BRITO, Luciana da Cruz. Abolicionistas afro-americanos e suas interpretações sobre escravidão, liberdade e relações raciais no Brasil no século XIX. In: MACHADO, Maria Helena P.T.; CASTILHO, Celso Thomas Castilho. (ed.). Tornando-se livre: Agentes históricos e lutas sociais no processo de abolição. São Paulo: Edusp, 2015. p. 429-449.

MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: O federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.

MOREL, Marco. A Revolução do Haiti e o Brasil Escravista. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.

SCHREIBER, Mariana. Racismo: o brasileiro por trás de ação pioneira contra segregação nos EUA em 1833. BBC News Brasil, Brasília, DF, 10 maio 2021. Disponível em: https://bbc.in/3u49boY. Acesso em: 26 jan. 2022.




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