Nesse domingo eu não vou votar. Morando nos Estados Unidos, tive que fazer a escolha – esta sim, muito difícil -- entre o primeiro e o segundo turnos. Apostei no primeiro, ajudei a eleger duas deputadas, perdi no senado e no governo do Estado do Rio de Janeiro, e como faço desde 1989, votei no PT para presidente.
Como historiadora da escravidão e do direito, não concebo que seja possível votar em outro candidato que não o Lula. Quando se trata da luta por direitos, a prioridade máxima é a da luta antirracista. É claro que há ainda um longuíssimo caminho a percorrer para romper de vez com o privilégio branco; mas não podemos admitir nenhum retrocesso, nem compactuar com falas e práticas racistas pregadas pelo atual governo.
Voto em defesa das famílias brasileiras. Famílias com mães e avós solteiras, dois pais, duas mães, um pai e uma mãe, e qualquer outra configuração gerada pelo amor. A minha é composta por duas mulheres, duas filhas, três enteados e um ex-marido. Não há lugar para ela no Brasil do atual presidente.
Voto também em defesa das religiões. A batalha pelo reconhecimento da diversidade religiosa será longa, e não avançaremos se não reconhecermos a legitimidade de todas as crenças e descrenças da nossa sociedade. Eu, judia descrente, defendo até mais não poder o direito de cada um poder ir à sua igreja, ao seu terreiro, à sua sinagoga. É como judia também que voto no Lula, assim como votaria em qualquer candidato que se contrapusesse ao fascismo; e hoje nenhum de nós pode dizer que não sabia que o atual governo tem o fascismo como princípio. Os judeus que se aliam à extrema direita dão as costas para a História. Zombam dos seus antepassados.
Por fim, voto como cidadã deste planeta. Voto pela Amazônia. Com o Lula lá, talvez, quem sabe, ainda haja uma possibilidade de revertermos o fim da maior floresta do mundo. É a nossa única chance de deixar algum legado para nossos filhos e netos.
No domingo, estarei com o coração no Brasil, acompanhando a apuração com ansiedade e esperança. Será difícil. Mas desde quando foi fácil?
Keila Grinberg é professora titular licenciada do Departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e professora titular do Departamento de História e Diretora do Center for Latin American Studies da Universidade de Pittsburgh.
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