L'historien est comme un mineur de fond. Il va chercher les données au fond du sol et les ramène à la surface pour qu'un autre spécialiste – économiste, climatologiste, sociologue – les exploite.
L'historien est bien obligé d'avoir recours à l'écrit, aux archives, mais l'écrit est trompeur. Il ne reflète pas la réalité.
Durante 27 anos (1973-1999) Emmanuel Le Roy Ladurie foi o titular de História da Civilização Moderna no Collège de France, uma das mais destacadas instituições de pesquisa e ensino aberto da França, cuja fundação se deve ao rei Francisco I, em 1530.
O emérito professor Le Roy Ladurie dispôs, no Colégio, de um ambiente que efetivamente corresponde ao leque original de interesses de pesquisa que o animou durante toda sua longa vida. Pesquisador incansável das variáveis profundas do agir humano, Le Roy Ladurie debruçou-se, desde sua tese doutoral sobre os camponeses do Languedoc (publicada em 1966), com uma dupla atitude metódica: a constância temática e a inovação crítica.
A constância temática – por vezes chamada por alguns de micro-história – está na preocupação sistemática com a interação do social e do cultural no quotidiano das pessoas. Diversamente de Carlo Ginzburg – a quem reconhece o mérito, em geral, de ter contribuído para recuperar o interesse do particular e do indivíduo na compreensão das grandes tendências da sociedade – Le Roy Ladurie está primariamente interessado em identificar e reconstruir o contexto sociocultural do pensar e do agir no quotidiano do século 16.
Le Roy Ladurie recebeu uma sólida formação escolar e universitária, em instituições de grande qualidade acadêmica, como os liceus Henri IV em Paris e Lakanal, em Sceaux. Titular da agregação em História pela Escola Normal Superior de Paris, obteve seu doutorado de Estado pela Universidade de Paris (Sorbonne), onde ensinou até assumir a cátedra no Colégio.
A tese de Le Roy Ladurie causou grande impacto. Em meados dos anos 1960, marcou época que um discípulo do prestigioso Fernand Braudel se dedique dedicasse ao campesinato do Languedoc entre 1294-1324, não para eventualmente sustentar alguma proposta revolucionária no seu tempo, mas para entender o que era e como funcionava a estrutura social e econômica do sudoeste francês, contrapondo-se à teoria prevalente de que o mundo rural era um pedregulho imobilizado e inerte. Recorre a uma massa impressionante de informações – na entrevista que concedeu em fevereiro de 2009, sublinhou repetidas vezes que o trabalho nos arquivos é incontornável e que as séries quantitativas são um instrumento precioso para o historiador – sobre dízimos, salários (soldos), taxas, rendas e rendimentos, por ele articulada com diversos elementos do pensamento de autores como Ernest Labrousse, Michel Foucault, David Ricardo, Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss, Thomas Malthus, François Simiand, Sigmund Freud e Max Weber. Reconhece-se a marca de Max Weber na conclusão de Le Roy Ladurie – de certa maneira indicando sua independência intelectual com relação aos espartilhos ideológicos –, asseverando que o Languedoc viveu, no período estudado, ciclos de crescimento e declínio regulares.
Contrapondo-se – sem o dizer expressamente – ao economicismo político marcante da época – Le Roy Ladurie sustenta que o fator determinante (mas sem determinismo) da vida no Languedoc era a cultura das pessoas que lá viviam. Para ele, o fato de os camponeses não haverem rompido os ciclos de crescimento e declínio em que se encontraram nesses trinta anos não dependeu de eventual atraso tecnológico, mas de sua cultura, que os impediu de promover avanços tecnológicos na lavoura. Na visão de Le Roy Ladurie, às estruturas culturais de longo prazo, com a correspondente lentidão no processo de mudança dos paradigmas materiais e mentais, advém uma função determinante nos processos socioeconômicos e políticos. Le Roy Ladurie considera que a ‘conjuntura’ é menos relevante do que a ‘estrutura’, diferentemente de muitos historiadores partidários dos aspectos micrométricos de tal ou qual evento ou personagem. Le Roy Ladurie em hipótese alguma considera que o ‘factual’ seja negligenciável. Pelo contrário, a biografia de personagens (como seu Platter) ou de ocorrências (como Montaillou ou Romans) são, para ele, fundamentais; ganha pleno sentido, contudo, somente quando colocada na perspectiva do longo prazo e das forças profundas que atuam nas organizações sociais e nas culturas.
Sua obra mais conhecida é Montaillou, uma aldeia occitânica de 1294 a 1324 (1975). Le Roy Ladurie se debruça sobre os dois mundos de Montaillou, o real e o imaginário, ao tempo da heresia cátara. O ambiente é o da inquisição de modelo italiano, como instrumento mais da afirmação dos poderes eclesiásticos do que da preservação da pureza doutrinária da fé. Seu guia nesse mergulho na Aquitânia do início do século 14 é Jacques Fournier, bispo de Pamier entre 1318 e 1325, membro do tribunal da Inquisição, que se tornou papa, sob o nome de Bento XII, em 1334, em Avinhão. Fournier foi um observador sagaz e rigoroso de um microcosmo em que ortodoxia católica e catarismo se confrontavam. Dom Jacques Fournier tornou-se assim uma espécie de repórter meticuloso dos jogos de poder. O confronto não se dava apenas no plano da doutrina religiosa, mas também sobre um fundo de poder e de rivalidades locais e mesmo, pode-se dizer, nacionais (um primeiro esboço de organização do Estado francês) e internacionais (os conflitos de influência e prestígio entre as monarquias francesa, imperial e o papado). Os minuciosos interrogatórios realizados por Fournier são usados por Le Roy Ladurie como um espelho do mundo material e mental dos aldeões. O quotidiano aparece, em pormenor, nos modos de trabalhar a terra, nas moradias, nas relações com as aldeias circunvizinhas, na administração secular e religiosa. No universo mental dos aldeões são situadas as crenças em Deus, no destino, as relativas à sexualidade, à morte, à vida, ao casamento, às superstições, ao modo de pensar e viver o espaço e o tempo, à representação da salvação.
Le Roy Ladurie apresenta um denso e vasto leque de ‘ousadias’ historiográficas que o coloca por certo entre os mestres-pensadores da história contemporânea, sem dele fazer um historiador impositivo. Um historiador presente aos encontros da renovação historiográfica, concentrado, é certo, no espaço físico e mental da França, mas consciente da necessidade de não se deixar aprisionar pelos limites do ‘hexágono”. Em nenhum momento Le Roy Ladurie, como sublinham seus amigos e discípulos, hesitou em optar pelos riscos de experimentar novas vias e novos questionamentos. A combinação do rigor metódico da pesquisa com o vigor reflexivo da síntese consistente, a seu entender, oferecem as garantias suficientes para que a aventura da inovação e da (re)criação do passado histórico seja qualitativamente profunda e pertinente.
Creio que o convite à perseverança no caminho historiográfico pode ser aqui arrematado com as palavras proferidas por Le Roy Ladurie ao concluir sua aula inaugural no Collège de France, em 30 de novembro de 1973:
“Todos acabam por reconhecer, afinal, a evidência: não se pode construir uma ciência humana sem a densidade do passado. Tampouco se pode elaborar uma astrofísica sem conhecer a idade das estrelas ou das galáxias. A história, que por alguns decênios de meia desgraça foi a pequena Cinderela das ciências sociais, assume doravante o lugar que lhe é próprio. É porque ela soube eclipsar-se na hora certa. Recusou-se a ser um discurso narcisista que se perde na contemplação de si mesmo e nas autocelebrações dos aniversários. Enquanto se decretava, cá e lá, seu desaparecimento, ela simplesmente passava para o outro lado do espelho, para buscar o outro ao invés do mesmo.” ( “L’histoire immobile”, em LE ROY LADURIE, E. Le territoire de l’historien. Paris: Gallimard, 1978, vol. II, pp. 3-34, esp. p. 34.)
Livros de Emmanuel Le Roy Ladurie
- Les Paysans de Languedoc. Paris: SEVPEN, 1966.
- Histoire du climat depuis l'an mil. Paris: Flammarion, 1967, 2a 2ed. 1983.
- Montaillou, village occitan de 1294 à 1324. Paris: Gallimard, 1975.
- Le Territoire de l'historien. Paris: Gallimard, 1973 e 1978. (2 volumes).
- Le Carnaval de Romans: de la Chandeleur au mercredi des cendres (1579-1580). Paris: Gallimard ,1979.
- L'Argent, l'Amour et la Mort en Pays d'Oc. Paris: Seuil, 1980.
- Histoire de la France rurale. Paris: Seuil, 1975.
- Histoire de la France urbaine. Paris: Seuil, 1981.
- Paris-Montpellier PC-PSU, 1945-1963. Paris: Gallimard, 1982.
- Parmi les Historiens. Paris: Gallimard 1983, 1993. (2 volumes).
- La Sorcière de Jasmin avec fac-similé de l'éd.originale bilingue (1842) de la Françouneto de Jasmin. Paris: Seuil, 1983.
- Histoire de France. II. L'État Royal; III. L'Ancien Régime, de Louis XIII à Louis XV, 1610-1770. Paris: Hachette, 1987 e 1991. (Volumes II e III).
- Le Siècle des Platter (1499-1628). I. Le mendiant et le professeur; II. Le voyage de Thomas Platter; III. L'Europe de Thomas Platter. Paris: Fayard, 1995, 2000 e 2006.
- L'Historien, le chiffre et le texte. Paris: Fayard, 1997.
- Saint-Simon, le système de la Cour. Paris: Fayard, 1997.
- Histoire de la France des Régions. Paris: Seuil, 2001.
- Histoire des paysans français, De la peste noire à la Révolution. Paris: Seuil, 2002.
- Histoire humaine et comparée du climat. I. Canicules et glaciers, XIIIe-XVIIIe siècle (2004); II. Disettes et révolutions, 1740-1860 (2006); III - Le réchauffement de 1860 à nos jours (2009). Paris: Fayard.
- Histoire du climat du Moyen Âge jusqu'à nos jours, DVD, 2007.
- Abrégé d'histoire du climat du Moyen Âge à nos jours (Entretiens avec Anouchka Vasak), Paris, Fayard, 2007.
Histoire et système (dir.), Paris, Le Cerf, 2010 (ISBN 978-2204090643).
- Trente-trois questions sur l'histoire du climat (Entretiens avec Anouchka Vasak), Paris, Fayard, 2010.
- Les fluctuations du climat de l'an mil à aujourd'hui, Paris, Fayard, 2011.
- La Civilisation rurale, Paris, Allia, 2012.
- Une vie avec l'histoire. Mémoires, Paris, Tallandier, 2014.
- Les Paysans français d'Ancien Régime, Paris, Le Seuil, 2015.
- Huit leçons d'histoire, Paris, Fayard, 2016.
- Brève histoire de l'Ancien Régime, Paris, Fayard, 2017.
Em português:
- O Carnaval de Romans: da Candelária à quarta-feira de cinzas 1579-1580. São Paulo: Companhia das Letras, 2002
- História dos Camponeses Franceses. Vol. 1 e 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. (2 volumes).
- Montaillou - povoado occitânico. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
- O Estado Monárquico, França 1460-1610. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
- Saint-Simon ou o sistema da Corte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
- O Mendigo e o Professor: a Saga da Família, Platter no Século XVI. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
- A Nova História. Jacques Le Goff, Georges Duby, Emmanuel Le Roy Ladurie (orgs.). Lisboa: Edições 70, 1991.
Leia a versão extendida do texto aqui.
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