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Foto do escritorCarlos Gabriel Guimarães

A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E A RELAÇÃO COM A INGLATERRA: UMA COLÔNIA DO IMPERIALISMO INGLÊS?


Alegoria do Tratado de Comércio de 1810 feita por Joaquim Carneiro da Silva

“Dizem os negociantes da Praça desta Corte do Rio de Janeiro, que eles se veem na mais dura consternação com a perda total no giro de seu comércio porquanto os ingleses têm obrado no comércio de tal modo que os suplicantes têm muito fixados suas casas, e lojas de fazenda […]”. A citação de um manifesto dos negociantes brasileiros e portugueses da Praça do Comércio do Rio de Janeiro, de data não mencionada, mas posterior à chegada da Corte no Rio de Janeiro, em 1808, reforça a visão muito enfatizada pelos livros didáticos de História do Brasil. A questão que surge é a seguinte: ficou o Brasil dependente e subordinado aos ingleses com a Independência? O Brasil substituiu Portugal pela Inglaterra, se tornando uma colônia do imperialismo inglês?



Gilberto Freyre, no livro Os Ingleses no Brasil, publicado em 1948, destacou a importância da presença e da modernidade dos ingleses no país. Embora destacasse a presença cultural inglesa no cotidiano brasileiro, o livro de Freyre corroborou com a tese da preeminência inglesa no Brasil, proposta por Alan K. Manchester (1933). Segundo Manchester, com a abertura dos portos (1808), os tratados de Comércio e Navegação e Aliança e Amizade (1810) e a Independência do Brasil (1822), essa última com a contração do empréstimo com os ingleses para o reconhecimento da independência por parte de Portugal, os ingleses hegemonizaram as relações econômicas e políticas do Brasil.

John Luccock (1770-1826), negociante e viajante inglês, escreveu um relato em 1820 sobre a sua estadia no Rio de Janeiro e a sua importância para o comércio inglês. Luccock ressaltou, entre outras coisas, a presença inglesa no Rio de Janeiro, o impacto da chegada da Corte ao Rio (1808) e a centralidade do Rio de Janeiro no comércio interno com Minas Gerais, e no Atlântico Sul, com as suas ligações comerciais com a costa norte Fluminense (até o Espírito Santo), o Sul Brasileiro (até o porto do Rio Grande no Rio Grande de São Pedro do Sul) e o Rio da Prata.

Analisando o comércio exportador e importador brasileiro, não existiu dúvidas da tendência dos ingleses de controlarem as importações de certas mercadorias, como as das “fazendas secas”, ou seja, de fios e tecidos de algodão, lã e linho, oriundos da indústria têxtil revolucionária inglesa, como também das exportações brasileiras de açúcar, café e outras commodities oitocentistas. Nesse comércio de “longo curso”, destacaram-se firmas como Francis Le Breton & Co., Carruthers & Co., Phipps Brothers & Co., Edward Johnston & Co., muitas formadas ainda no período joanino (1808-1821), outras do I Reinado (1822-1831) em diante. É importante ressaltar a presença de outras firmas e negociantes estrangeiros como norte-americanos, hamburgueses e portugueses nesse comércio, tais como Maxwell, Wright & Co., James Birckhead, Schroeder & Co. e outras.

Porém, quando analisamos outras atividades comerciais de grande lucratividade, como o comércio de escravos com a África, os ingleses não participaram diretamente, e sim de forma indireta, se beneficiando mesmo com toda proibição oficial por parte do governo britânico. O que também vale para o comércio da cabotagem costeira brasileira, que só foi liberada para os estrangeiros na década de 1860.

Aliás, sobre o comércio de escravos africanos, importante ressaltar que o governo britânico, desde o período joanino no Rio de Janeiro, pressionou para acabar com essa atividade. Desde os tratados de 1810, e principalmente após as guerras napoleônicas, com o tratado de 1815 e a Convenção de 1817, celebrados entre o príncipe e, depois, rei D. João VI com o monarca britânico, a Inglaterra pressionou para acabar com o infame comércio.

Mas, a necessidade fiscal do Reino de Portugal com sede no Rio de Janeiro, como o imposto de meia siza sobre o comércio de escravos (imposto arrecadado na razão de quarenta mil réis por cada escravo), a força política e econômica dos negociantes escravistas brasileiros e portugueses, particularmente do Centro-Sul do Brasil, e a expansão das lavouras açucareira e cafeeira no Vale do Rio Paraíba (do alto Paraíba em São Paulo até o Baixo Paraíba em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro) e do abastecimento em Minas Gerais, necessitando cada vez mais de trabalho escravo, fez com que o comércio de escravos ficasse proibido somente acima da linha do equador. Tal determinação prejudicou o comércio na costa ocidental africana, região preferencial de atuação dos comerciantes de escravos baianos e pernambucanos. A costa do Congo-Angola e oriental africana ficaram à mercê dos negociantes da Praça do Rio de Janeiro, como o negociante e senhor de engenho de Ubá, em Vassouras (RJ), João Rodrigues Pereira de Almeida (1774-1830) e outros.

Face ao poder político e econômico envolvendo os negociantes, a “nobreza da terra” (classe de proprietários de terras e de escravos não tituladas no período colonial) e a burocracia da Corte no Rio de Janeiro, podemos compreender a relutância em aceitar a pressão inglesa contra o comércio de escravos. Com a independência do Brasil e a necessidade do reconhecimento por parte de Portugal, a Inglaterra viu renascer a possibilidade de acabar com o infame comércio brasileiro. Com as finanças em baixa com a Guerra da Independência (1821-1824), somado à retirada dos recursos do tesouro com o retorno de D. João VI e da corte portuguesa para Portugal (1821), D. Pedro I teve que recorrer à Inglaterra para financiar a dívida do reconhecimento de Portugal e de toda a Europa.

O “empréstimo português” no valor de 3,7 milhões de libras esterlinas marcou a origem da dívida pública externa do Brasil e para muitos a dependência financeira do Brasil com a Inglaterra ao longo do século XIX. Mas, mesmo sendo credor, a Inglaterra não conseguiu se impor politicamente, pois o Brasil, mesmo com a ilegalidade do comércio de escravos, com a Lei de 1831 (A Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831), conhecida erroneamente como a “Lei para Inglês ver”, somente em 1850 pôs fim ao comércio transatlântico de escravos (A Lei Eusébio de Queirós, Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850). Além disto, em 1862, em virtude do comércio ilegal de escravos, o Brasil rompeu diplomaticamente com a Inglaterra, com a Questão Christie. A retomada das relações viria durante a Guerra da Tríplice Aliança e longe de achar que o Brasil era cúmplice da Inglaterra contra o Paraguai. Mas, essa foi outra História.

Retornando as questões do texto, não é correta a ideia de que o Brasil fosse subordinado e dependente dos ingleses ou que estivesse sob um imperialismo inglês. É necessário discutir e analisar melhor as relações entre os brasileiros e os ingleses no Brasil, suas relações com os respectivos governos e a diplomacia inglesa.

Carlos Gabriel Guimarães é professor do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense e autor do livro A presença inglesa nas Finanças e no Comércio no Brasil Imperial: os casos da Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Co. (1854-1866) e da
firma inglesa Samuel Phillips & Co. (1808-1840). (Editora Alameda, 2012).

ARRUDA, José Jobson de Andrade Arruda. Uma Colônia entre dois Impérios: A Abertura dos Portos brasileiros, 1800-1808. Bauru, SP: EDUSC, 2008.

BETHELL, Leslie. A abolição do comércio brasileiro de escravos: A Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do comércio de escravos, 1807-1869. Tradução de Luís P. A. Souto Maior. Brasília: Senado Federal, 2002.

FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil. Aspectos da influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000 [publicação original 1948].

LUCCOK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil (1808-1818). Tradução de Milton da Silva Rodrigues e apresentação de Mário Guimarães Ferri. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975 [publicação original em 1820]


MANCHESTER, Alan K. Preeminência inglesa no Brasil. Tradução de Janaína Amado. São Paulo: Brasiliense, 1973 [publicação original em 1933].




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