A atuação de insurgentes em armas contra os portugueses no Piauí e no Maranhão
põem em xeque o mito da Independência pacífica
Johny Santana de Araújo
Com quantos homens se faz um exército libertador? Essa pergunta servirá para nos abalizarmos quanto à questão da Guerra da Independência no norte do Brasil entre 1822 e 1824, pois, sem forças regulares e irregulares, não haveria luta.
Hoje, entre os historiadores, dificilmente há quem defenda a ideia de que a independência do Brasil foi um evento pacífico, uma construção herdada do século XIX, especificamente da obra de Francisco Adolfo de Varnhagen em seu projeto de edificação de uma história.
Mas o processo não foi fácil, tampouco pacífico. Dependeu de uma série de deliberações, fruto de entendimentos entre os grupos políticos que, por sua vez, defendiam interesses e ideias próprias, mas, naquele momento, pediam algum tipo de união contra um projeto claramente centralizador, pensado pelas Cortes de Lisboa. Haveria ações centradas em uma guerra na Bahia e, posteriormente, no Piauí.
Portugal tinha uma ideia bem clara quanto a manter o que pudesse do norte do seu território na América; uma das medidas primordiais era reforçar militarmente o norte do Brasil.
As Cortes contavam com a fidelidade das juntas do Grão-Pará e do Maranhão, mas no Piauí havia uma razoável incerteza, o que seria agravado pela chegada à província do Major João José da Cunha Fidié para assumir o comando das armas, com a recomendação de D. João VI para que mantivesse a província do Piauí.
Pode-se afirmar que, na época, o Piauí era claramente dividido em dois importantes grupos de poder, nucleados pela tradicional família do comerciante Simplício Dias, da vila de Parnaíba, e pela família do brigadeiro Manoel de Sousa Martins, concentrada no centro-sul da província. Em abril de 1822, o brigadeiro acabou sendo alijado do poder durante a eleição para composição da junta provisória.
A insatisfação de Manoel de Sousa Martins, com o que julgava ser uma traição, o levou à proclamação de independência em Oeiras, no dia 24 de janeiro de 1823, tornando-o responsável com Simplício Dias, que havia feito o mesmo na cidade de Parnaíba, em 19 de outubro de 1822. Pela adesão do Piauí à independência, caberia a eles a formação de um exército independentista para enfrentar os portugueses.
A base desse exército foi constituída de pessoas dispostas a pegar em armas para expulsar os portugueses. A sua construção demandou um esforço que foi dividido por duas outras figuras importantes: o juiz de fora João de Deus Silva e o fazendeiro Leonardo Castelo Branco. Uma vez em fuga para o Ceará, após terem declarado a independência na vila de Parnaíba, passaram a organizar um exército para invadir o Piauí, a fim de enfrentar o Major Cunha Fidié.
A formação dessa tropa representou um grande desafio para os padrões militares da época. Primeiro, o recrutamento, constituído de homens sem preparo que foram precariamente armados de foices e facões. Embora comandados por oficiais com alguma experiência militar, como o capitão Luiz Rodrigues Chaves, se defrontaram em 23 de março de 1823 com o Major Cunha Fidié, junto ao Riacho Jenipapo, próximo à vila de Campo Maior.
As forças portuguesas estavam em clara vantagem no Piauí, pois representavam a primeira linha, enquanto os insurretos eram, em sua maioria, constituídos pela milícia; ou a segunda linha, cujos componentes representavam a base de trabalhadores agregados dos fazendeiros e potentados nas vilas da província.
Mas o exército independentista possuía, ainda, uma composição muito mais heterogênea, que ia de libertos, camponeses a pessoas simples das vilas do interior com as mais variadas expectativas. Suas narrativas foram legadas nas cartas recentemente encontradas em um museu no Piauí, e até pelo Major Cunha Fidié em suas memórias, quando expôs sobre a determinação deles em combate.
O temor pelo que representavam as forças portuguesas era tão grande que a junta sediciosa do governo, em Oeiras, emitiu uma conclamação sobre a possibilidade de choque das tropas de Chaves com o contingente português de Fidié. Afirmaram que, naquelas circunstâncias, “a Pátria estava em perigo” e cumpria salvá-la para que não fossem arrastados à derrota.
Fidié, sem ter condição de se manter no Piauí, em território hostil, e atendendo a uma convocação da câmara de Caxias, em 17 de abril de 1823, se dirigiu àquela vila para montar uma grande defesa contra as forças insurretas que, organizadas, iniciaram um cerco que se estendeu até julho de 1823.
Em São Luís do Maranhão, a Junta Governativa, ainda firme com as Cortes, foi pressionada a aderir a independência por força da ação do Lord Tomas Cochrane, comandante da primeira esquadra imperial, que ameaçou bombardear a capital com a navio Pedro I. Não havia como resistir em Caxias sem o apoio da junta que aderiu à independência em 28 de julho de 1823.
Restava a Fidié tentar romper o cerco com o grosso do exército libertador, organizado na “Junta de delegação expedicionária”, composta por José Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves Pereira de Alencar, pelo Ceará, e por Manoel de Souza Martins e Joaquim de Souza Martins. Pelo Piauí trouxeram mais homens, enquanto forças leais aos independentistas lutavam contra os portugueses vila por vila, no Maranhão.
A resistência dos portugueses, em Caxias, terminou em 31 de julho de 1823. A grande questão futura era desmobilizar perto de 80 mil homens do exército independentista. Mas essa é uma outra história.
Johny Santana de Araújo é professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). E-mail: johny@ufpi.edu.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3082-1785
Saiba Mais:
ARAÚJO, Johny Santana. O Piauí no processo de independência: contribuição para construção do império em 1823.Clio: Revista de pesquisa histórica. Recife, v. 33, n. 2, p. 29-48, 2015.
CHAVES, Joaquim. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2005.
MALERBA, Jurandir (org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 2006.
PONTES CÂNDIDO, Tyrone. Apollo. A plebe heterogênea da Independência: armas e rebeldias no Ceará (1817-1824). Almanack, [S. l.], n. 20, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/2236-463320182009. Disponível em: https://bit.ly/3zTwxAk. Acesso em: 21 jun. 2022.
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